GUSTAVO HENRIQUE PÔRTO DE CARVALHO
Graduado pela Faculdade de Direito do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Pós-Graduado em Direito Público pela Atame – Universidade Cândido Mendes, Advogado e Sócio do Escritório Gallotti e Advogados Associados.
RESUMO: Com o aprofundamento do conflito iniciado pela invasão russa à Ucrânia em 24.02.2022, além da insegurança dos atores internacionais quanto aos rumos da guerra, toda a cadeia de suprimentos mundial que se relaciona, direta ou indiretamente com a Rússia, ou com a Ucrânia, acende o sinal de alerta. Os riscos de desabastecimento, aumento de preços, impactos na cotação do dólar e no preço do barril de petróleo já são percebidos em todos os continentes. No Brasil, embora o cenário geopolítico possa ser ainda mais imprevisível que o econômico, a depender dos rumos que as eleições presidenciais nos reservam, o agronegócio, principal propulsor da economia brasileira, já se movimenta para agir em curto, médio e longo prazos. O objetivo: diminuir a dependência do fertilizante importado, em especial do russo.
PALAVRAS-CHAVE: Guerra da Ucrânia; importação; fertilizantes; soberania; autossuficiência.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Impactos da guerra da Ucrânia na balança comercial com o agronegócio brasileiro; 2 Medidas adotadas pelo Governo brasileiro; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
As grandes guerras do século XX e outros conflitos de menor envergadura demonstraram que a crença liberal no livre mercado como fator aglutinador de interesses, capaz inclusive de evitar conflitos, não era totalmente verdadeira. Em 1835, Alexis de Tocqueville já profetizava que EUA e Rússia, cada um a sua maneira, pareciam destinados a disputar o destino do mundo nos séculos vindouros.
Independente da roupagem ideológica, o filósofo francês parece ter lido corretamente a vocação russa ao imperialismo, que mais uma vez faz o país deixar as trocas espontâneas e lucrativas do livre comércio de lado, para investir em uma guerra que mais parece uma mistura de orgulho nacionalista e revanchismo soviético contra seus antigos territórios.
Sob a alegação de que estaria defendendo grupos separatistas supostamente independentes em Donetsk e Lugansk, o presidente russo Vladimir Putin comanda a ofensiva à Ucrânia desde o dia 24.02.2022.
A disputa, que em verdade se trata de uma reação ao movimento de entrada da Ucrânia na Otan, que sequer chegou a se concretizar, além de já ter vitimado milhares de vidas, deixado milhões de pessoas refugiadas e devastado grandes regiões metropolitanas, causa preocupação da comunidade internacional em relação ao seu desfecho, além de provocar debates nas áreas do comércio, da logística e da produção de energia.
Com receio de transformar o conflito no Leste Europeu em um conflito mundial, as potências ocidentais preferiram não intervir diretamente no conflito. Em contrapartida, a Rússia vem suportando severas sanções e embargos econômicos que vão a isolando do mundo ocidental e a restringindo ao suporte chinês, o que certamente já tornou a invasão a Ucrânia uma empreitada muito mais cara do que o imaginado.
No lado ocidental, muito se discute sobre como os países do bloco europeu, em especial a Alemanha, devem, por exemplo, alterar sua matriz energética para depender menos do gás russo. Oligarcas russos estão sendo perseguidos por governos ocidentais e forçados a vender suas participações em empresas multinacionais, clubes esportivos, etc.
Neste contexto, mesmo distante, o Brasil também já é afetado pelo conflito, e as consequências vão muito além do aumento global de preços do petróleo, que afetam o valor dos combustíveis e os custos com o frete marítimo, por exemplo, ou mesmo com a imprevisibilidade do dólar, na medida em que não se vislumbra como ou quando a invasão russa terminará. O país já vislumbra impactos, tanto em curto quanto em médio e longo prazos, e, para piorar, o setor mais atingido é justamente o que melhor performamos: o agronegócio.
1 IMPACTOS DA GUERRA DA UCRÂNIA NA BALANÇA COMERCIAL COM O AGRONEGÓCIO BRASILEIRO
Em curto prazo, as relações mais afetadas naturalmente são as que envolvem diretamente Brasil/Ucrânia e Brasil/Rússia.
Em relação à Ucrânia, desde o dia 28.02.2022, após um bombardeio russo ao porto de Mariupol, o Chefe da Administração Marítima do país determinou o fechamento dos portos ucranianos até o fim da invasão russa, quando as condições de segurança para navios mercantes no mar negro devem ser reestabelecidas.
Com o fechamento dos portos ucranianos, a corrente de comércio entre Brasil e Ucrânia já deve sofrer impacto imediato. Entre importações e exportações, o fluxo entre os países é da ordem de US$ 438 milhões, com superávit favorável ao Brasil em torno de US$ 15 milhões. Apenas do Porto de Santos, são embarcados com destino à Ucrânia, entre outras cargas, milho, café, açúcar, carne bovina, frango e amendoins.
Já, em relação ao comércio com a Rússia, como não há indicativo de fechamento de portos russos, o fluxo imediato entre importações e exportações não deve sofrer grandes baixas. A maior preocupação que assola os setores do agronegócio e dos portos e as autoridades brasileiras é o da importação de insumos, mais especificamente de fertilizantes.
Embora fertilizantes sejam comumente importados, já considerando uma quantidade a ser estocada, o que não afetaria diretamente as próximas safras, o risco de desabastecimento não pode ser ignorado pelos planejadores logísticos. Afinal de contas, o Brasil é o quarto maios consumidor de fertilizantes do mundo, atrás apenas de China, Índia e Estados Unidos, sendo destes o maior importador mundial desses insumos.
Apenas em 2021, cerca de 85% das 40 milhões de toneladas de fertilizantes consumidos no país foram importados. Apenas a Rússia corresponde a 23% do fertilizante importado pelo mercado nacional, que em moeda estrangeira corresponde a US$ 15,2 bilhões. A título de comparação, o valor é quase 70% maior do que o que é gasto com o segundo colocado, a China, de onde o Brasil importou cerca de US$ 2,1 bilhões no último ano.
Os fertilizantes são parte essencial do agronegócio brasileiro, uma vez que o solo nacional é naturalmente pobre em nutrientes, especialmente no Cerrado, onde se encontram os melhores solos para a agricultura. A despeito dos terrenos planos, dos solos profundos e da ampla oferta de água, a limitação natural de nutrientes própria de países tropicais acaba exigindo esse grande investimento em fertilizantes.
2 MEDIDAS ADOTADAS PELO GOVERNO BRASILEIRO
Dada a característica estratégica dos fertilizantes para o agronegócio brasileiro, o Governo lançou, no último dia 11.03.2022, o Plano Nacional de Fertilizantes, consubstanciado em uma série de medidas a serem implementadas nos próximos 28 anos, focadas em reduzir a dependência do produtor rural brasileiro em relação aos fertilizantes importados e aumentar significativamente a parcela da produção nacional na faixa de consumo.
A implementação do plano, ainda que gradativa, terá impactos significativos na economia nacional. Além de estimular a produção nacional e gerar oportunidades e novos mercados internos, o incentivo para investimento em novos produtos e fontes de nutrientes e ao desenvolvimento de novas tecnologias tem tudo para preparar o agro brasileiro para um futuro de desafios e conquistas.
Naturalmente, o tempo de implementação de medidas como o referido plano não consegue reduzir a dependência do país no pequeno prazo, mas demonstra um ponto de partida e uma reflexão necessária para um futuro mais sustentável, especialmente por não ser possível afirmar quando e como terminará o conflito na Ucrânia, nem quão desgastadas estarão as relações entre a Rússia e os países do Ocidente após a onda de sanções econômicas, e como isso poderá afetar o Brasil.
Por outro lado, uma parcela imediata de economia de mercado será também gradativamente afetada, como os setores de movimentação e armazenamento portuário de fertilizantes. A alta demanda pela importação de insumos nos últimos anos gerou um grande investimento em terminais dedicados nos portos brasileiros. Em sua maioria, terminais arrendados por mais de 25, 30, 35 anos, que terão, junto com os setores de planejamento dos portos nacionais, que se reinventarem para continuar operando com a eficiência que operaram hoje.
CONCLUSÃO
Ainda que pareça uma medida tardia, o Plano Nacional de Fertilizantes parece estar adaptado a uma realidade de incertezas que abalaram o mundo nos últimos anos, uma pandemia global, seguida de uma guerra em plena Europa. Essas crises têm trazido à tona debates que ficaram em segundo plano em um cenário de economia globalizada, tais como: soberanias nacionais e autossuficiência.
Muito se questionou a dependência do mercado chinês durante a primeira onda da Covid-19, mesmo diante das acusações de países do Ocidente em relação à ausência de colaboração do Governo chinês no início da pandemia. Assim como se questiona a dependência de insumos e energia russas neste novo contexto de guerra.
A princípio, escolhas como a implementação de um plano como o pretendido pelo Governo brasileiro, ou como a que a Alemanha terá que enfrentar para diminuir sua dependência do gás russo, parecem contrariar lógicas de uma economia efetivamente de mercado, mas denotam por detrás de suas intenções uma política de prudência.
O problema é que, como tal, a prudência é um investimento de alto custo, justificável em tempos de crise, mas que vai exigir ainda muito capital político para manter-se em futuros tempos de calmaria. O fato é que seu valor inestimável se revela em tempos de novas crises, e são nessas oportunidades que ela [a prudência] se revela, como diria Pitágoras, o olho de todas as virtudes.
REFERÊNCIAS
CARRANÇA, T. Guerra na Ucrânia: por que o Brasil depende tanto dos fertilizantes da Rússia? Uol Economia, 2022. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/bbc/2022/03/03/por-que-o-brasil-depende-tanto-dos-fertilizantes-da-russia.htm. Acesso em: 17 mar. 2022.
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GOVERNO Federal lança Plano Nacional de Fertilizantes para reduzir importação dos insumos. Gov.Br, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/noticias/governo-federal-lanca-plano-nacional-de-fertilizantes-para-reduzir-importacao-dos-insumos. Acesso em: 17 mar. 2022.
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