Marcos Paulo Bogossian
(Universidade de Brasília) mpbogossian@gmail.com
Benjamin Caldas Gallotti Beserra
(Faculdade de Direito Cândido Mendes) benjamin@gallotti.adv.br
Resumo: O presente artigo traz uma reflexão sobre os impactos causados pela crise do Covid-19 nos sistemas logísticos da área de transportes, envolvendo os setores público e privado. Pretende-se apresentar alternativas que resultem na incorporação de medidas mais eficazes de gestão para as partes envolvidas nos modais de transporte, em especial para o governo mediante a identificação e avaliação das principais causas de perdas produtivas observadas e das oportunidades que decorrem deste cenário. Através da ótica da Teoria Geral de Sistemas, da Função de Produção na microeconomia e da técnica de abordagem para Sistemas Complexos, tenta-se avaliar e comparar os aspectos econômicos e financeiros relacionados a eventos trágicos observados, com origem na ambiência. Assim, denota-se a necessidade da elaboração e de validação de Planos de Contingência específicos, com ferramentas modernas, para preparar, adaptar, ampliar a capacidade da sociedade, das empresas e do próprio Estado, visando melhor enfrentamento dessas adversidades.
Palavras-chave: Crises, Teoria geral dos sistemas; Função de produção; Gestão adaptativa; Plano de contingência para adversidades.
- Introdução
Por meio da infraestrutura e do processo de transporte é que a economia do país “respira”. Esse fluxo contínuo de comercialização que também visa atender à população, está sujeito a uma infinidade de entraves e dificuldades que podem ocorrer ao acaso durante o transporte, desde o local da produção até a chegada ao destino. Pretende-se com este trabalho explorar, identificar, medir e tentar incorporar uma outra parcela da “família” de potenciais entraves do acaso, com origem na ambiência, que atualmente pouco são considerados.
O significativo aumento da frequência de eventos de clima decorrentes do aquecimento global, e os impactos e incertezas geradas nos usuários dos sistemas de transporte pelos fenômenos críticos de ambiência, começaram a ganhar destaque no Brasil, em face à significância dos impactos que demonstram a necessidade, conveniência e vantagens de previas adequações.
Embora essas ameaças não ocorram com periodicidade, vem sendo observadas cada vez com maior frequência e intensidade com chuvas torrenciais, ventos, incêndios, explosões, ciclones e tempestades, que progressivamente modificam e assolam várias regiões do país.
O local que merece mais atenção para formação de ciclones extratropicais está na costa sul e sudeste do Brasil, onde em 2004 ocorreu uma tempestade chamada “Catarina” que, por reunir condições especiais, alcançou ventos de até 180 km/h e destruiu 1500 residências, danificou outras 40 mil casas, interditou vias de transporte, interrompeu a distribuição de água e energia, matou 11 pessoas e deixou outras 518 feridas.
Em 2018 uma embarcação foi arrancada do cais no Porto de Paranaguá e por pouco não provocou uma tragédia. Em 2019, na cidade do Rio de Janeiro, chuvas torrenciais com ventos de 110 km/h provocaram inundações, deslizamentos de terra de encostas e a morte de ao menos dez pessoas. Em 2020 um ciclone bomba com ventos de mais de 100km/h deixou um rastro de destruição em Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.
Por sorte, em que pese o aumento da ocorrência de casos, estes não atingiram com severidade e intensidade pontos estratégicos como um terminal portuário ou aeroportuário ou locais densamente habitados.
Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC (2019), órgão ligado à ONU, até o ano 2100, deverá ocorrer um aumento de até um metro do nível do mar, retirando milhões de moradores de áreas costeiras e ilhas.
Com o aquecimento, os oceanos se tornarão mais ácidos, alterando a vida marinha e o degelo poderá liberar mais gases de efeito estufa, duplicando o nível de carbono que atualmente está na atmosfera, implicando em um aumento de 3℃ ou 4℃ na temperatura, o que significará fenômenos climáticos de maior intensidade. Importante destacar que conhecemos muito pouco do que ocorre na plataforma do vasto oceano que nos rodeia.
Por outro lado, existem também ameaças vinculadas à atividade sísmica, que recebe maior atenção nos países da Ásia e daqueles Países banhados pelo Oceano Pacífico, no chamado “círculo de fogo”. No Brasil o mais intenso terremoto registrado ocorreu em 1955, na Serra do Tombador, no Mato Grosso, com magnitude de 6,2 pontos na escala Richter, em uma região desabitada.
Para o geólogo Fernando Flávio Marques de Almeida (2002), métodos geofísicos e a identificação de focos térmicos abaixo da Ilha da Trindade, indicam a possível retomada de atividade vulcânica, e que áreas da ilha são suscetíveis a movimento de massa, de blocos de rochas, a processos fluviais e de dinâmica costeira. Deve-se considerar a existência na região da anomalia magnética do Atlântico sul.
O Professor Aderson Nascimento da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN (2017), afirma que o arquipélago de São Pedro e São Paulo é o ponto habitado do território brasileiro com maior frequência de terremotos, com uma média de três a quatro ocorrências por semana, variando de 2 a 5 pontos. Entretanto, é rara a incidência no local de abalos sísmicos de intensidade entre moderada e forte, o último ocorreu em 2006, e atingiu a magnitude de 6 pontos. Importante destacar que apesar dessa ameaça existir com frequência, ela “ainda” não foi responsável por tragédia no Brasil.
Outra ameaça que se apresenta com potencial é a atual crise sanitária do vírus Covid-19 que solapou a globalização, segregou continentes e países, além de modificar severamente as ligações de transporte existentes, demostrando que estamos completamente despreparados e profundamente desorganizados para o melhor enfrentamento.
As informações básicas e fundamentais para conhecer melhor e dominar o problema com maior eficiência são manipuladas, com absoluta falta de coordenação, de respeito à vida, com o uso político da adversidade, a corrupção e o despreparo solapam a população, as empresas e os recursos públicos exigindo urgentes adequações para novas investidas dessa ameaça que pode se fortalecer com as já previstas mutações desse e outros vírus.
Outras ameaças, como a poluição ambiental que compromete os mais diversos climas e a vida do planeta, os resíduos e plásticos descartáveis jogados nos oceanos que acabam por prejudicar e entupir o sistema de refrigeração das embarcações, conflitos químicos, contaminantes e explosivos das mercadorias movimentadas que potencializam os riscos e a imposição de barreiras econômicas decorrente de políticas internas e externas. Todas estas ameaças indicam que uma nova conjuntura está sendo progressivamente estabelecida, exigindo adaptações de entes envolvidos na cadeia logística tais como: a segurança nacional, o segmento de transportes, o operador de terminal portuário, o proprietário das mercadorias, o armador, a participação do estado, das instituições sanitárias, os órgãos de regulação e de outros operadores modais e stakeholders.
- Metodologia
Pesquisadores procuram constantemente adaptar-se e ampliar o conhecimento sobre as pessoas e os fenômenos naturais que nos rodeiam. Com informações e a observação desses fenômenos, desenvolvem sistemas, modelos, teorias, leis e regras que, de alguma forma auxiliam em conhecer, e progressivamente entender melhor, a natureza, os objetos e as pessoas.
A pandemia do corona vírus que atualmente assola o planeta, está demonstrando que o domínio sobre os elementos da natureza está longe de ocorrer e que os atuais critérios de planejamento e de programação estão vulneráveis a essa e outras categorias de eventos da natureza, que se apresentam de forma aleatória com significativos e sérios impactos para a vida no nosso planeta, especialmente na área de transporte aéreo e marítimo.
É também esse o processo natural de aprimoramento contínuo que estimula a grande maioria das inovações nas empresas, gerando a necessidade de estudos sistemáticos de alternativas logísticas que possibilitem ampliar o mercado e alcançar maiores benefícios ou vantagens relativas, para a produção, distribuição ou para a aquisição de insumos.
Deve-se destacar e reconhecer que as ameaças acima descritas também têm origem e são regidas por esse mesmo processo natural de aprimoramento contínuo da natureza e da vida no planeta em constante mutação e adaptação, e nada que possa ser relacionado ou solucionado com regramentos jurídicos ou políticas previamente estabelecidas.
A Gestão Adaptativa ou Científica (BOGOSSIAN et al., 2013), é a metodologia de gestão recomendada para processos com alto grau de incerteza, nos quais se escolheu a técnica de sistemas complexos para entender e modelar as dificuldades em função da necessidade de aprimoramento contínuo da gestão.
A natureza modifica a conjuntura constantemente, obrigando o indivíduo a conhecer o problema que será objeto de sua ação e os reflexos correlacionados, reanalisando, reavaliando e continuamente checando os indicadores e os reflexos nos diferentes cenários gerados.
Ao dissecar e comparar os efeitos de pequenas modificações nos elementos e subsistemas existentes, é possível obter conhecimento e mensurar benefícios marginais correlacionados, minimizando a incerteza e as possibilidades de decisões equivocadas. A segregação sistêmica e a análise destas informações, das variáveis e dos elementos envolvidos constituem-se no princípio e na base fundamental desse processo.
Deve-se considerar que na análise de sistemas de transporte estamos tratando de sistemas complexos (ETTEMA, 2012) nos quais há relação de causa efeito (inter-relação) entre todos os subsistemas que podem competir entre si. Nessa mesma conjuntura estão os riscos em relação à nova família de fenômenos de ambiência, objeto deste trabalho, os efeitos e os impactos envolvidos, de forma contínua, mas não uniformemente distribuída no tempo/espaço.
As empresas também utilizam a teoria de sistemas (BERTALANFFY, 2012) visando atuar competitivamente no mercado e pode-se observar a segmentação das atividades em diversos departamentos especializados tais como: de produção, de planejamento, de contabilidade, das finanças, de pessoal, de mercado e vários outros.
Atualmente com a privatização das operações os serviços de transportes, na maioria das vezes são realizados por empresas privadas em uma cadeia logística multimodal, cuja eficiência depende da atuação conjunta sinérgica, e que envolvem a utilização de patrimônio público como a malha ferroviária, rodoviária, os terminais portuários sob diversos regimes como de concessão e de arrendamento.
Todas as empresas se caracterizam por contar com uma função de produção (Y) onde são relacionados os custos para a produção de bens e serviços, especialmente aquelas que atuam no transporte das mercadorias nas rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.
A função de produção (Y) em uma empresa ou organização, representa a reunião de (inputs) recursos e fatores (X1) destinados à produção competitiva de bens e serviços. Toda organização possui esse instrumento de avaliação e de controle visando um planejamento e uma programação eficiente e para permitir as adequações que venham a ser necessárias.
As empresas se organizam junto aos fornecedores de insumos de uma região onde procuram estabelecer e otimizar uma logística de abastecimento e também de distribuição da produção.
Y = f (X1, X2, X3 ,….Xn) (1)
A parcela de componentes fixos independe de qualquer nível de produção ou incidência, sendo estável em diferentes ambiências ou conjuntura, como por exemplo o aluguel de uma instalação. Assim, pode-se afirmar basicamente que (Y) tem um conjunto de parcelas de custos fixos (Cf) que independe do nível de produção e uma outra parcela de custos variáveis (Cv) que depende da quantidade produzida (q) no período.
A parcela de custos variáveis (Cv) está relacionada com o nível de dificuldade de produção de uma unidade do bem/serviço naquela ambiência oferecida. Importante ressaltar que além dessas parcelas devem passar a ser consideradas com destaque e significativa relevância os lucros (L), os impostos (I) e a parcela (Vi) que constituem um espécime de estimador de valor ou de tempo de paralisação relacionado às ações preventivas para as ameaças objeto desta pesquisa.
Y = (Cf) + (Cv) + (I) + (L) + (Vi) (2)
É preciso parcimônia inicial ao estabelecer (Vi) em face à complexidade das ações e à competitividade do mercado, as empresas necessitam contar com sistemas de planejamento e de controle competitivos, visando abordagem de planejamento, de distribuição da produção e de marketing conforme pode ser observado nos organogramas de todas as grandes empresas. Todavia, basta algum nível de adequação e de contingência para capacitar a empresa e os empregados a superar melhor essas dificuldades, através de uma ação inteligente e racional.
Importante salientar que (Vi) pode não ser um objeto interno à empresa, mas tem poder para impactar seu desempenho uma vez que ocorrem no local onde ela atua. Esses eventos passam a ser considerados de forma simples como um novo input (Xi) relacionado à riscos envolvendo um estimador de valor ou de tempo de paralização.
Y = f [(X1); (X2); …..(Xn);(I); (L); (V1); … (Vi)] (3)
O risco operacional é geralmente definido como o risco de perda resultante de processos internos, pessoas e sistemas inadequados ou falhos, ou de eventos externos. Nossa abordagem é focada na criação de estratégias de riscos externos de ambiência, envolvendo maior amplitude e exigindo habilidades e competências para que os sejam gerenciados e distribuídos de forma apropriada junto com os objetivos estratégicos, ainda que com um maior nível de dificuldade. Apesar dos eventos externos serem possíveis de ocorrer, na grande maioria das vezes, são considerados como eventos improváveis (probabilidade zero).
Uma maior conscientização sobre os riscos melhora a tomada de decisões estratégicas e operacionais, por meio de uma gestão eficiente é possível alcançar maior confiança e segurança nas operações de negócios e no planejamento, evitando impactos severos da incerteza, excesso de custos e permite uma sobrevida maior em caso de sinistro.
A programação de atividades é fundamental na área de transportes, especialmente quando consideramos a intermodalidade dentro do fluxo da mercadoria. Essa programação também é extremamente vulnerável à eventos aleatórios da natureza. Isto é, quando um evento não programado atinge um dos modais de uma ligação de transporte, todo o fluxo da mercadoria é comprometido.
A forma de absorver esses eventos seria, então, passar a considerar a sua probabilidade de ocorrência com a incorporação de componentes de risco baseado na Esperança Matemática da sua ocorrência, ou juntamente com o valor do prêmio unitário para os impactos esperados (Vi).
Os elementos imponderáveis de ambiência podem considerar um estimador correspondente a um prêmio unitário (Vi) para cada ameaça considerada em “Y”. Nesta altura é importante destacar que apesar dos fenômenos dessa “família” de eventos da natureza poderem ocorrer em qualquer local, eles não ocorrem com frequência uniformemente distribuída em todas as regiões do planeta, como também não atingem uniformemente todos os input e output da Função de Produção (Y). Significa dizer que o monitoramento poderá recomendar refinamento (Vi).(1/Pi) para algum (Xim), na unidade de tempo.
Assim, a probabilidade de ocorrência (Pi) depende dos atributos e características do local e também do nível de conhecimento do indivíduo que observa o fenômeno que pode não ser o mesmo. Desta forma, a função de produção “Y” poderia passar a ter a seguinte configuração:
Y= S [(X1); (X2); …..(Xn);(I);(L);… (Vi -1).(1/Pi-1);(Vi).(1/Pi)] (4)
Deve-se recomendar atuar inicialmente com (Vi) em um nível de acumulador modesto para, progressivamente, alcançar uma parcela de proteção (preventiva e corretiva) maior, e assim não comprometer a função de produção da empresa que poderiam atingir patamares insuportáveis para atuar competitivamente no mercado. Alternativamente poderia se estudar a viabilidade de prêmio de seguro parcial a ser obtido no mercado para melhor suportar o sinistro.
- Análise Conjuntural
No caso da Covid-19 os negócios globais foram severamente atingidos e difíceis de absorver em face à falta de conhecimento e domínio sobre os efeitos e o alcance do problema sanitário que provocou desorientações e necessidade de reavaliações constantes, sem o respaldo de avaliação prévia ou um plano de contingência. Mas é necessário elaborar respostas capazes de gerenciar o trabalho proativamente para os próximos anos reduzindo a exposição direta, e com uma programação previamente preparada para direcionar os esforços.
Além disso, as ameaças podem atingir as empresas e os operadores da área de transportes de forma diferenciada, bem como seletivamente à administração pública como parceiro responsável pelos bens públicos e com base nos contratos administrativos, há depender da conjuntura e das correlações envolvidas, inexistindo um padrão que possa ser antecipadamente definido de forma precisa.
Há que se reconhecer, desde logo, a incapacidade de se prever de forma precisa a intensidade dos impactos que podem decorrer dos eventos da natureza, ou seja, a incorporação de novos conhecimentos e indicativos de valor nos coloca em uma posição adaptativa mais confortável do que a situação anterior em que esses elementos de incerteza não eram sequer considerados.
No caso do COVID-19, a aviação civil foi rápida e severamente solapada, juntamente com os terminais aquaviários de petróleo e seus derivados. Já o transporte rodoviário e os terminais marítimos de granéis sólidos têm cumprindo suas atribuições com menor nível de dificuldade. No caso de um ciclone ou um maremoto, os portos e as embarcações seriam severamente atingidos.
Nas empresas privadas o panorama foi modificado, flexibilizando a presença física do trabalhador e colocando em dúvida se há necessidade de grandes escritórios e oficinas (modifica critério de categorização dos citados custos fixos “Cf”) e do deslocamento frequente de funcionários para reuniões presenciais, com seus custos inerentes modificados em função da produtividade.
Na área trabalhista o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o tele trabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho. Em outras palavras estamos reavaliando a produtividade e os critérios tradicionalmente adotados nas estruturas das empresas e na sua função de Produção (Y).
Contrato escrito disporá sobre responsabilidade pela aquisição, pela manutenção ou pelo fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do tele trabalho, trabalho remoto ou trabalho a distância e ao reembolso de despesas que deixariam de ser de natureza doméstica e passariam a ser arcadas pelo empregador.
Na área de regulação, os contratos administrativos celebrados pela Administração Pública, também foram atingidos em razão da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do Covid-19, havendo iniciativas de se instituir norma de caráter emergencial para ampliar a abrangência e a forma de regulação desses contratos.
Entende-se que no nosso planeta a ambiência está sistematicamente em mudança e os Contratos Administrativos de exploração de infraestrutura, por serem de longo prazo (até 70 anos), devem contar com instrumentos para adequações e ajustes que podem e devem ser constantemente melhorados.
Por mais eficiente que seja o agente público, ao tentar ajustar seu contrato, considerando apenas a evolução da demanda e da oferta de serviços prevista, ele terá que admitir que a incerteza está presente em algum nível, e, na maioria das vezes, as coisas não acontecerão conforme programado. Isso não se deve a incompetência ou qualquer outro fator externo, senão a própria natureza da imprevisibilidade das coisas, especialmente nos contrato de longo prazo.
Os aspectos de riscos exigem uma atualização na forma de atuação do governo no que diz respeito à proteção das empresas e da população do país, em relação às ameaças, e principalmente em termos de qualidade para a saúde da população, compatibilizando e comparando planos de contingência, padrões internacionais de segurança preventiva de contaminantes e explosivos, de higiene e segurança alimentar e aspectos sanitários entre países, dentre outros.
Os impactos observados demostram claramente que um “Plano de Contingência” necessita ser urgentemente estabelecido para essa família de fenômenos, ainda que com orientações mínimas, mas que podem ser periodicamente aprimorados e proporcionar salvaguarda de um público despreparado, principalmente durante um sinistro.
A tragédia no Brasil hoje poderia ser bem diferente em relação à forma de abordagem e contando com o aprendizado obtido durante o primeiro semestre de 2020, com o COVID-19. O custo para estudar e divulgar previamente procedimentos de segurança no caso de pandemias, ciclones, incêndios, explosões, terremotos, maremotos, crises sanitárias ou outros fenômenos seriam menores.
Por outro lado, os benefícios são imponderáveis e podem representar, vidas, empregos e recursos públicos fartamente desperdiçados. Pequenas orientações podem modificar o panorama significativamente, tais como: uso de prévio de máscaras, estabelecimento de critérios de segurança, estudar e capacitar os serviços de saúde, testar e divulgar rotas de fuga para incêndios e calamidades, precauções para casos de ameaças e algumas pequenas recomendações preventivas que podem melhorar e capacitar a sociedade para o enfrentamento.
Fundamentalmente, é necessária maior humildade para reconhecer insignificância do ser humano perante eventos da natureza e do desconhecido, para não acreditar que agora passamos a dominar e estabelecer regras para a natureza que as crises sanitárias “só ocorrem na África ou na Ásia”, que alguns fenômenos “só ocorrem no oceano pacífico” e que os furacões “só devem ocorrer na América central e nos EUA”. Afinal, não podemos nunca esquecer que muito pouco se conhece do que ocorre no fundo dos oceanos, e que na terra somos tripulantes de uma “espaçonave” recheada de magma incandescente com temperatura de mil graus Celsius, que gira em torno de uma estrela chamada sol, cuja temperatura na superfície é de aproximadamente 5,5 mil graus Celsius. E ainda, que o sol compõe uma galáxia com aproximadamente 200 bilhões de estrelas, cercadas de bilhões de fragmentos alucinados de corpos celestes que chegam diariamente na terra.
A natureza está em constante adaptação como o norte magnético da terra, com as placas tectônicas do planeta e a vida bacteriana em constante mutação, junto com as empresas que sistematicamente incorporam inovações de processos e de produtos, otimizam as ligações de transporte, melhoram a qualidade dos serviços, incorporam novos equipamentos, novas técnicas. Esse panorama basta para assegurar a falta de domínio e que a conjuntura dificilmente será mantida conforme previsto pelo governo no contrato administrativo, principalmente tendo em conta a evolução do conhecimento e a incorporação de novas tecnologias.
Paralelamente, é importante não deixar de considerar o verdadeiro “show de gestão e coordenação” que foi apresentado na crise do COVID-19, com um rastro de ações malsucedidas e de malfeitos que podem replicar em um maior grau de dificuldade de superação para as empresas. As ações descoordenadas podem implicar em maior responsabilidade do governo, considerando que as empresas podem utilizar esses fatos para penalizar fortemente os responsáveis pelos prejuízos, especialmente o poder público.
Nesse aspecto o primeiro passo que se apresenta seria o reconhecimento e a avaliação das causas do insucesso e da falta de coordenação demostrada entre os órgãos de governo nas esferas Federal, Estadual e Municipal para o enfrentamento coordenado à pandemia. A maior parte desse insucesso, até os dias de hoje, decorre da falta de humildade e de conhecimento. Na área da pesquisa científica, para cada problema existe sempre apenas uma única solução empírica melhor, ainda que sempre seja temporária.
Outra forma de enfrentar essas adversidades poderia ser obtida da através do pacto prévio entre as partes solapadas com o sinistro, ou seja a empresa e o governo deveriam estar dispostos à assumir previamente e conjuntamente uma pequena parcela inicial de responsabilidade (preventiva e corretiva) por alguns tipos de sinistros (Vi), das parcelas que compõe a função de produção (Y).
Estes eventos seriam prévia e claramente delimitados conforme demostrado em parcelas da função de produção (Y) ou correlacionada à outra variável externa ao objeto, em acordo comum estre as partes. Agindo desta forma as chances de ruptura seriam menores em face da maior distribuição dos impactos de sinistros no processo de produção conjunto.
Entretanto, apesar de contar com uma função de produção (Y) eficientemente adaptada, os eventos podem ocorrer com intensidades diversas e até conjuntamente, complicando o processo, principalmente em função da variação marginal.
Uma das formas que podem ser utilizadas para configurar esta nova situação pode ser obtida com a introdução de um sensor de medida genérico (Si) para avaliar com qual intensidade (Y) seria impactada e quanto de responsabilidade caberia às partes, considerando, por exemplo, patamares de produção. Estes patamares seriam estabelecidos previamente a partir do nível de produção em que (Y) que não gera lucro e com outros níveis de patamares inferiores, sem impostos ou superiores com a remuneração do capital, previamente acordados, conforme exemplo da Tabela 1 a seguir.
Considerando que as partes estariam dispostas a assumir parcela dos impactos da ocorrência do fenômeno representado em (Y) na intensidade definida pelos sensores de variáveis explicativa (Si) previa e conjuntamente definidos e acordados e que mediria os impactos esperados e responsabilidades.
Tabela 1 – Exemplos de níveis de responsabilidade – Deflatores
Responsabilidade Parcelas | Responsabilidade Parcelas | Deflator – Contratos (Si)(I) |
Y > f [(X1);… (Xn); (I); (L); (Vr)] | Empresa | 1 |
Y > f [(X1);… (Xn); (I); (L); (Vr)] | Empresa | 1 |
Y > f [(X1);… (Xn); (I); (L); (Vr)] | Empresa | 1 |
Y < f [(X1);… (Xn); (I); (L); | Empresa + apoio governamental | 0,4 |
Y < f [(X1);… (X2); | Apoio incisivo + empréstimo | 0,6 |
Fonte: Os autores
É importante ser ressaltado que a intensidade e a severidade do evento da natureza não podem ser modificadas ou previamente conhecidas, mas pode-se garantir que as partes vulneráveis não serão atingidas despreparadas e poderão absorver e suportar em algum nível maior a ameaça ou o sinistro.
Esse método de avaliação e segregação de riscos poderá ser modificado e progressivamente refinado adaptado com outros critérios de maior conveniência entre as partes. Importante destacar que no campo da pesquisa científica as teses e propostas estão constantemente em “xeque” e não existe uma posição de conforto ou critério final e definitivo.
A empresa para permanecer saudável e competitiva deve monitorar indicadores, aprimorar sua eficiência constantemente e o governo (que depende da empresa e da sociedade) deve também conhecer a acompanhar esse processo como maior beneficiário que é.
Na área da saúde a categorização do estado do indivíduo estão alicerçados em conhecimento e domínio acumulado pelo aprendizado e pelas pesquisas de variáveis (até exógenas) correlacionadas.
Observe, como exemplo, o método utilizado na Tabela 2 abaixo, para categorizar estado de saúde de indivíduos através do PCR – Ultrassensível pelo Método de Imunoturbidimetria intensificada por Látex Utilizando sangue.
Tabela 2 – Nível de risco – PCR – Ultrassensível
Nível observado | Avaliação |
< 1 mg/L | Baixo risco |
1 a 2 mg/L | Médio risco |
2 a 10 mg/L | Alto risco |
>10 mg/L | Muito alto risco |
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia (2017)
Tabela 3 – Deflator para Contratos – Intensidade
Coeficiente Deflator (Si) | Intensidade | Nível de participação (Vr) |
Para Si > 1,0 | Não existe impacto | Nenhum |
Para Si < 0,4 | Impacto moderado | Desconto de 40% do arrendamento ou de (I+) |
Para Si < 0,6 | Impacto severo | Desconto de 60% do arrendamento ou de (I+) |
Fonte: Os autores
Na Tabela 3 de níveis de correlação entre a função de produção (Y) e o deflator (Si) observado, o gatilho seria acionado na intensidade correspondente e com as consequências previa e conjuntamente definidas na coluna de Nível de Participação (Vi).
É importante destacar que neste tipo de abordagem (Vi) não necessariamente deve fazer parte da função de produção (Y) e pode estar relacionada à evolução de outra variável externa e que seja conhecida e dominada pelas partes como “variável explicativa ou indicador econômico”. Considerando que estamos tratando de fenômenos complexos por meio de um modelo adaptativo, a incerteza sempre estará em algum nível presente, sendo recomendável a previsão de arbitragem, que seria antecipadamente aceita pelas partes para sanear possíveis dificuldades.
- Considerações Finais
Nos últimos anos, a atividade financeira evoluiu de maneira considerada exponencial, não somente em volume, mas também nas formas complexas com a multiplicação dos serviços, que elevou de forma impressionante o risco operacional. Bancos e agências financeiras de todo o planeta, hoje em dia, estão mais preparadas para enfrentar o problema de riscos operacionais do mercado atual.
A avaliação, a gestão, o monitoramento de riscos e os ajustes de contratos deve ser uma atividade constante das empresas que atuam no mercado, inclusive do poder concedente que deve contar com maior especialização e domínio no assunto que se apresenta com tendências de evoluir para uma ambiência mais complexa. O sucesso dessa nova atividade não se restringe à atividade de gestão, depende fundamentalmente do nível de conhecimento do indivíduo que observa os fenômenos.
Para as empresas, o governo, a população e todos aqueles impactados por essa “família de eventos”, os “Planos de contingência”, ainda que de pequena envergadura inicial, mas previamente avaliado se apresentam como melhor alternativa de enfrentamento. A capacitação profissional é fundamental para lidar com a incerteza e principalmente para refinar a abordagem a ser adotada, inclusive com a necessária e fundamental previsão da arbitragem, conforme já regulamentado nos termos do Decreto nº 10.025, de 20 de setembro de 2019.
O conhecimento e o domínio sobre o objeto, é fundamental para avaliar e selecionar as melhores alternativas de continuidade no mercado e para configurar um panorama provável e com melhores possibilidades de sucesso para os interesses públicos e privados, tomando como base “sensores” para as perspectivas conjunturais e de mercado.
Na atual conjuntura, em que a globalização está sendo progressivamente fragilizada, quanto mais o governo planeja, mais difícil se torna o planejamento para a empresa e para o indivíduo (HAYEK, 2012), principalmente quando se pretende incorporar eventos atípicos como restrições estratégicas de comércio, eventos decorrentes do aquecimento global, crises e catástrofes.
Como consequência do verdadeiro “show de gestão e coordenação” que foi apresentado na crise do COVID-19, é possível identificar o prelúdio de radicais mudanças conjunturais, visando uma abordagem específica com um protocolo de critérios e de responsabilidade previamente estabelecido, onde os aspectos políticos e jurídicos podem até ser considerados, mas em outro plano inferior.
É necessário entender que o governo não gera recursos e que grande parte das receitas auferidas pelas empresas privadas tem como destino a Administração Pública, denotando sua inerente condição de parte diretamente interessada e dependente no processo.
O benchmark de outros países poderá ser utilizado para compor planos de contingência com protocolos mínimos, previamente estabelecidos para essas ameaças, visando, ampliar progressivamente o conhecimento das pessoas, reduzir a desorientação, o sacrifício de vidas e o fechamento de empresas em face de falta de conhecimento, de preparo e de domínio ao lidar com a incerteza, e principalmente, reduzindo as possibilidades de uso político destas ameaças, conforme observado nos eventos decorrentes da pandemia do COVID-19.
Referências
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AQUECIMENTO Global de 1,5ºC. Painel intergovernamental sobre mudanças climáticas – IPCC. Brasil, 02 jul. 2019. Disponível em: <https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/2019/07/SPM-Portuguese-version.pdf>. Acesso em: 7 jul 2020.
BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria Geral dos Sistemas, 6ª edição, Ed. Vozes, 2012, Petrópolis – RJ.
BOGOSSIAN, Marcos Paulo et al. Modelo de Gestão de Barreiras para o Processo de Exportação de Carga a Granel como Opção para uma Gestão Adaptativa. Revista Pluralidade, 2013.
BRAGA, Élcio. Rotina de terremotos, uma das marcas de São Pedro e São Paulo. Entrevista Aderson Nascimento da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. O Globo. São Paulo, 1º jan 2017. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/brasil/rotina-de-terremotos-uma-das-marcas-de-sao-pedro-sao-paulo-20716243>. Acesso em: 12 jul 2020.
BRASIL. Decreto nº 10.025. Dispõe sobre a arbitragem para dirimir litígios que envolvam a administração pública federal nos setores portuário e de transporte rodoviário, ferroviário, aquaviário e aeroportuário, e regulamenta diversos dispositivos. Diário Oficial da União; edição 184; seção 1, página 9; 20 set 2019.
BRASIL pode voltar a ter vulcão. Elcío Braga. Youtube. 6 jul. 2020. 18m30s. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=qd1BoIti5mU&feature=youtu.be>. Acesso em: 22 jul 2020.
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